domingo, 7 de junho de 2009

O império da vaidade




Eco e Narciso - 1903 de John Willian Waterhouse





Em tempos de ditadura da beleza, o corpo é massacrado pela indústria e pelo comércio, que vivem da nossa insegurança, impotência e angústia.
PAULO MOREIRA LEITE

Você sabe por que a televisão, a publicidade, o cinema e os jornais defendem os músculos torneados, as vitaminas milagrosas, as modelos longilíneas e as academias de ginástica? Porque tudo isso dá dinheiro. Sabe por que ninguém fala do afeto e do respeito entre duas pessoas comuns, mesmo meio gordas, um pouco feias, que fazem piquenique na praia? Porque isso não dá dinheiro para os negociantes, mas dá prazer para os participantes.
O prazer é físico, independentemente do físico que se tenha: namorar, tomar milk-shake, sentir o sol na pele, carregar o filho no colo, andar descalço, ficar em casa sem fazer nada. Os melhores prazeres são de graça, a conversa com o amigo, o cheiro do jasmim, a rua vazia de madrugada, e a humanidade sempre gostou de conviver com eles. Comer uma feijoada com amigos, tomar caipirinha no sábado também é uma grande pedida. Ter um momento de prazer é compensar muitos momentos de desprazer. Relaxar, descansar, despreocupar-se, desligar-se da competição, da áspera luta pela vida, isso é prazer.
Mas vivemos num mundo onde relaxar e desligar-se se tornou um problema. O prazer gratuito, espontâneo, está cada vez mais difícil. O que importa, o que vale, é o prazer que se compra e se exibe, o que não deixa de ser um aspecto da competição. Estamos submetidos a uma cultura atroz, que quer fazer-nos infelizes, ansiosos, neuróticos. As filhas precisam ser Xuxas, as namoradas precisam ser modelos que desfilam em Paris, os homens não podem assumir sua idade.
Não vivemos a ditadura do corpo, mas seu contrário: um massacre da indústria e do comércio. Querem que sintamos culpa quando nossa silhueta fica um pouco mais gorda, não porque querem que sejamos mais saudáveis, mas porque, senão ficarmos angustiados, não faremos mais regimes, não compraremos mais produtos dietéticos, nem produtos de beleza, nem roupas e mais roupas. Precisam da nossa impotência, da nossa insegurança, da nossa angústia.
O único valor coerente que essa cultura apresenta é o narcisismo. Vivemos voltados para dentro, à procura de mundos interiores (ou mesmo vidas anteriores). O esoterismo não acaba nunca, só muda de papa a cada Bienal do Livro, assim como os cursos de autoconhecimento, auto-realização e, especialmente, autopromoção. O nascisismo explica nossa ânsia pela fama e pela posição social. É hipocrisia dizer que entramos numa academia de ginástica porque estamos preocupados com a saúde. Se fosse assim, já teríamos arrumado uma solução para questões mais graves, como a poluição que arrebenta os pulmões, o barulho das grandes cidades, a falta de saneamento.
Estamos preocupados em marcar a diferença, em afirmar uma hierarquia social, em ser distintos da massa. O cidadão que passa o dia à frente do espelho, medindo o bíceps e comparando o tórax com o vizinho do lado, é uma pessoa movida por uma necessidade desesperada, precisa ser admirado para conseguir gostar de si próprio. A mulher que faz da luta contra os cabelos brancos e as rugas seu maior projeto de vida tornou-se a vítima preferencial de um massacre perpetrado pela indústria de cosméticos. Como foi demonstrado pela feminista americana Naomi Wolf, o segredo da indústria da boa forma é que as pessoas nunca ficam em boa forma: os métodos de rejuvenescimento não impedem o envelhecimento. 90% das pessoas que fazem regime voltam a engordar, e assim por diante. O que se vende não é um sonho, mas um fracasso, uma angústia, uma derrota.
Estamos atrás de uma beleza frenética, de um padrão externo, fabricado, que não é neutro nem inocente. Ao longo dos séculos, a beleza sempre esteve associada ao ócio. As mulheres do renascimento tinham aquelas formas porque isso mostrava que elas não trabalhavam. As belas personagens femininas do romantismo brasileiro sempre tinham a pele branca, alabastrina, qualquer tom mais moreno, como se sabe, já significava escravidão e trabalho. Beleza é luta de classes. Estamos na fase da beleza ostentatória, que faz questão de mostrar o dinheiro, o tempo livre para passar tardes em academias e mostra, afinal, quem nós somos: bonitos, ricos e dignos de ser admirados.

Artigo publicado na revista Veja de 23 de agosto de 1995 .



Adorei o texto do Paulo Leite. E pensando nesse assunto, acrescento os sonhos vendidos pela MÍDIA.

*Será que alguém consegue dormir sem ter:

- Um rosto como a da Angelina Jolie, ou se for homem, não ter o do Jude Law?

- Sem ter um super carro do ano?

- Um perfume importado da moda?

- Um super apartamento? Mesmo que pra isso eu tenha que me endividar, passar a vida inteira preocupada, trabalhando exaustivamente pra poder pagar a fatura, deixando de curtir uma porção de coisas que realmente importam? Sei não...

Oh, meu Deus, como eu posso viver com tão pouco...

Pati.


3 comentários:

Unknown disse...

Que legal o teu blog, menina!!! Estou dando continuidade ao trabalho dos blogues e eles estão adorando...bjs

Arthur Trajano disse...

Perfeito! Afinal, o texto fala da realidade! Não precisamos de luxo e outras coisas materiais para sermos felizes, porém estamos constantemente sendo bombaredeados com informações que nos dizem justamente o contrário! Resumindo: sofremos todos uma lavagem cerebral que nos impõe uma única lei: comprar, comprar e comprar! É triste mas é a realidade! Agora só nos resta tentar resistir a tudo isso, o que infelizmente a maioria das vees é muito dificil! :'/

Patrícia Castro disse...

Arthur, estás de parabéns! Pois, além de escreveres muito bem, captaste exatamente a ideia.