quarta-feira, 9 de março de 2011

Breve biografia de Leão Tolstoi

Retrato feito pelo pintor Jan Styka
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Por ele mesmo...

Pertenço à categoria dos loucos mansos

Quem sou eu? Um dos quatro filhos de um tenente-coronel na reserva, que ficou órfão aos sete anos de idade, educado por mulheres e por estranhos, e que, sem que o houvessem preparado com qualquer educação mundana ou intelectual, penetrou no mundo por volta dos dezessete anos. Não tenho grandes riquezas, não ocupo na sociedade um lugar particularmente brilhante e sobretudo não tenho princípios. Careço de amigos influentes, não tenho modo de vida plausível, mas o meu amor-próprio não tem medida. Sou feio, grosseiro, sujo e mal-educado, se vejo as coisas como as vê o mundo. Sou irascível, chato, intolerante e tímido como uma criança. Sou um labroste com todas as letras. O que sei aprendi-o sozinho, mal, por sacolejões, de modo descosido; e é bem pouco. Sou intemperante, indeciso, inconstante, estupidamente vaidoso e expansivo como todos os fracos. Coragem não tenho nenhuma. A minha preguiça é tal que a ociosidade se tornou para mim uma exigência. Sou boa pessoa, entendo por isto que gosto do bem, fico de mal comigo quando dele me afasto e é com prazer que volto atrás. Todavia uma coisa há que pode comigo mais que o bem: é a glória. Sou tão ambicioso que, a darem-me a escolher entre a glória e a virtude, muito me temo que não escolhesse a primeira. Modesto é que não sou, sem sombra de dúvida. Por isso me vêem com este ar de cão batido, por fora, que, se querem saber o que é orgulho olhem lá para dentro.
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Sou o doente número 1 do asilo de loucos que é a minha casa de lasnaia Poliana. Temperamento sanguíneo. Categoria, a dos loucos mansos. A minha loucura consiste em crer que posso mudar a vida dos outros por meio de palavras. Sintomas gerais: não suporto o actual regime; grito contra tudo e contra todos, excepto contra mim; mudo como ventoinha e sou irritadiço, sem resguardo por quem se prontifica a escutar-me às boas. Muita vez, após a excitação e a fúria, baqueio a um estado de hipersensibilidade e lágrimas, que é tudo quanto há de menos normal. Sintomas particulares: entrego-me a trabalhos manuais, engraxo e fabrico calçado, ceifo feno e realizo outras fainas materiais.
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No que tange à minha vida, se a considero do ponto de vista do bem e do mal que pude fazer, dou-me conta de que toda a minha longa existência se divide em quatro períodos: a primeira, época poética, maravilhosa, inocente, radiosa, da infância até aos catorze anos. Vêm depois vinte anos horríveis de grosseira depravação ao serviço do orgulho, da vaidade e sobretudo do vício. O terceiro período, de dezoito anos, vai do meu casamento à minha ressurreição espiritual: o mundo poderia também qualificá-la de moral, pois durante esses anos levei uma vida familiar honesta e regrada, sem me abandonar a nenhum dos vícios que a opinião pública reprova. Mas interessava-me estritamente tão-só pelas preocupações egoístas concernentes à minha família, ao bem-estar, ao sucesso literário e a todas as minhas pessoais satisfações. Enfim, a quarta fase, aquela em que vivo, após a minha redenção moral. A tudo isso nada desejo mudar, a não ser os maus hábitos contraídos no decurso dos períodos anteriores.

Leão Tolstoi

Fontes:
Gigantes da Literatura Universal. Tolstoi. Verbo editora,1972.
Extactos de: Diário,7 de Julho de 1854; Nota grácil de 1873: Memórias, 1903-1906

Curiosidade: Minha filha, em busca de mais conhecimento sobre Tolstoi, mostrou-me o livro Gigantes da Literatura Universal do qual tirei o texto acima. Portanto, contribuição da Dona Thaís :)