domingo, 23 de janeiro de 2011

Metamorfoses de Ovídio - poema Cosmogonia

Metarfoses não é a versão integral de um dos maiores esforços poéticos da época - cerca de doze mil versos, distribuídos em quinze livros, que trazem à tona aproximadamente duzentos e cinqüenta lendas, segundo Zélia de Almeida Cardoso em seu livro sobre Literatura Latina; enfim, a essa obra é que devemos parte de nosso conhecimento acerca de alguns episódios da mitologia greco-latina.

Públio Ovídio Nasão, poeta latino, escreveu os versos, dedicando-os à transformação, uma espécie de versão mitológica da história natural em ordem cronológica. Escritos na época que foi banido de Roma, pelo imperador Augusto, o Metamorphoseon Libri é, sem dúvida nenhuma, o poema mais importante da tradição greco-romana, muitos pintores, escultores e outros artistas se inspiraram nos versos de Ovídio, uma ode à tradição dos ardentes amores mitológicos do universo pagão que alimentou a fantasia de gerações através dos séculos. Além de legar a posteridade a estilista e a estrutura de seus versos, no caso do Metamorphoseon, versos hexamétricos, em sua inimitável facilidade de metrificar.

O poema tem caráter etiológico, isto é, conta a origem das plantas, animais e minérios deste a origem mitológica até o tempo do poeta, onde nos últimos versos, o tio de Augusto, Júlio César é transfigurado em cometa pela deusa Vênus após ser assassinado. Todos os versos estão articulados em torno de fábulas em que se registra uma transformação. Nesta edição, o célebre Manuel Maria Barbosa, du Bocage, faz uma das mais notáveis versões, que escolhe trechos da obra hercúlea para formar uma medida única, ou como escreve na introdução, o professor João Ângelo Oliva Neto, Bocage dá um ritmo, " o texto de Bocage tem o condão de se fazer ler e ouvir sem que se percam o tom, as imagens, e principalmente, o deleite na compreensão".

Bocage versificou os hexâmetros latinos em seus decassílabos, mesmo que sejam enxertos, o poeta consegue nos mostrar diversas histórias, aos quais são: As metamorfoses, Io, Precipicio de Faetonte, A gruta da inveja, O roubo de Europa por Júpiter, A morte de Píramo e Tisbe, Cadmo e Hermíone, Atlante convertido em monte, Progne, Tereu e Filomela, O roubo de Orítias por Bóreas, A descida de Orfeu aos infernos a buscar Eurídice, Ciniras e Mirra, Midas convertendo tudo em ouro, A gruta do sono, Ésaco e Hespéria, O sacrifício de Polixema e a metamorfose de Hécuba, sua mãe, Pico e Canente, A apoteose de Enéas, A apoteose de Rômulo e Hercília e A alma de Júlio César mudada em cometa.

Um canto épico, onde o amor pessoal suplanta deuses e homens. Mortais se transmutam-se de forma tão valorosa que os deuses descem ao mais baixo grau de passionalidade. Uma obra única, que faz pensar que o melhor caminho de se transmutar-se é percorrer a si próprio.

Cadorno Teles

Fonte:http://www.letraselivros.com.br/index.php?option=com_content&task=view&id=583&Itemid=65


OVÍDIO

Cosmogonia


Antes do mar, da Terra e Céu que os cobre
Não tinha mais que um rosto a Natureza:
Este era o Caos, massa indigesta, rude
E consistente só num peso inerte.
Das coisas não bem juntas as discordes,
Priscas sementes em montão jaziam;
O Sol não dava claridade ao mundo,
Nem, crescendo, outra vez se reparavam
As pontas de marfim da nova Lua.
Não pendias, ó Terra, dentre os ares,
Na gravidade tua equilibrada,
Nem pelas grandes margens Anfitrite
Os espumosos braços dilatava.
Ar e pélago e terra estavam mistos:
As águas era, pois, inavegáveis,
Os ares, negros, movediça, a terra.
Forma nenhuma em nenhum corpo havia
E neles uma coisa a outra obstava,
Que em cada qual dos embriões enormes
Pugnavam frio e quente, húmido e seco,
Mole e duro, o que é leve e é pesado.
Um Deus, outra mais alta natureza

À contínua discórdia enfim põe termo:
A Terra extrai dos céus, o mar da Terra
E ao ar fluido e raro abstrai o espesso.
Depois que a mão divina arranca tudo
Do enredado montão e o desenvolve,
Em lugares diversos que lhe assina,
Liga com mútua paz os corpos todos.
Súbito ao cume do convexo espaço
O fogo se remonta ardente e leve;
A ele no lugar, na ligeireza
Próximo fica o ar; mais densa que ambos
A Terra puxa os elementos vastos,
Da própria gravidade é comprimida.
O salitroso humor circunfluente
A possui, a rodeia, a lambe e aperta.
Assim, depois que o Deus (qualquer que fosse)


O grão corpo dispôs, quis dividi-lo
E membros lhe ordenou. Para que a Terra
Não fosse desigual em parte alguma,
Por todas a compôs em forma de orbe.
Ao mar então mandou que se esparzisse,
Que ao sopro inchasse dos forçosos ventos
E orgulhoso abrangesse as louras praias;
À mole orbicular deu fontes, lagos,
Rios cingindo com oblíquas margens,
Os quais, em parte obsortos pelas terras
Várias, que vão regando, ao mar em parte
Chegam e, recebidos lá no espaço
De águas mais livres e extensão mais ampla,
Em vez das margens assalteiam praias.
O Universal Factor também dissera:


“Descei, ó vales, estendei-vos, campos,
Surgi, montanhas, enramai-vos, selvas!”
Como o Céu, repartido, à dextra parte
Tem duas zonas, à sinistra, duas.
E uma, no centro, mais fogosa que elas,
Assim do Deus o próvido cuidado
Pôs iguais divisões no térreo globo,
Ele é composto de outras tantas plagas:
Aquela que das mais está no meio
Em calores inóspitos se abrasa;
Alta neve enregela e cobre duas;
Outras duas, porém, que entre elas ambas
O Númen situou, são moderadas:
Misto o frio e calor. Fica eminente
A estas o ar que, assim como é mais leve
O pesa da água que da terra o peso,
Tanto mais peso coube ao ar que ao fogo.
Deus ordenou que as névoas e que as nuvens
Errassem no inconstante, aéreo seio;
Que os ventos o habitassem, produtores
Dos penetrantes frios que estremecem,
E os raios, os trovões que o mundo aterram;
Mas o Supremo Autor não deu nos ares
Arbitrário poder aos duros ventos:
Bem que rebentem de encontrados climas,
Resistir-se-lhe pode à fúria apenas,
Vedar que em turbilhões lacere o mundo:
Tanta é entre os irmãos a desavença!
Euro foi sibilar ao céu da Aurora,


Aos reinos nabateus, à Pérsia, aos cumes
Que o raio da manhã primeiro alcança.
O Véspero, essas plagas, que se amornam
Com Febo ocidental, estão vizinhas
Ao Zéfiro amoroso; o fero Bóreas
Da Cítia fera e dos Triões se apossa;
As regiões opostas humedece
Austro chuvoso com assíduas nuvens.
O Númen sobrepôs aos elementos
O líquido e sem peso éter brilhante
Que das terrenas fezes nada envolve.
Logo que tudo com limites certos


Foi pela eterna dextra sinalado,
As estrelas, que opressas, que abafadas
Houve em si longamente a massa escura,
A arder por todo o Céu principiaram;
E, porque não ficasse do universo
Alguma região desabitada,
Astros e deuses tem o etéreo assento,
O mar aos peixes nítidos é dado,
Aves, ao ar, quadrúpedes, à terra.



Fonte: Livro Metamorfoses com tradução de Bocage.